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Após enchente: Impasse político atrasa obras no RS

Com o impasse, projetos de obras após enchente seguem no papel.

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29/04/25

às

16:27

obras enchente

Joédson Alves/Agência Brasil

Após a enchente, um impasse político entre o governo estadual e o governo federal está atrapalhando para a evolução de obras no Rio Grande do Sul, prejudicando a população.

A catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul há um ano, que deixou 184 mortos e 25 desaparecidos, além de um rastro sem precedentes de devastação, poderia ter tido um impacto bem menor, caso o sistema de proteção contra enchentes, especialmente na Região Metropolitana de Porto Alegre, tivesse funcionado corretamente.

A falta de manutenção, bem como falhas estruturais e até a inexistência de barreiras em determinadas localidades vulneráveis a inundações foram determinantes para a calamidade prolongada vivida por milhões de pessoas.

Dos recursos financeiros destinados ao estado gaúcho até o momento, há R$ 6,5 bilhões depositados em uma conta vinculada à Caixa Econômica Federal. Trata-se do Fundo de Apoio à Infraestrutura para Recuperação e Adaptação a Eventos Climáticos Extremos (Firece), criado no fim do ano passado pelo governo federal.

Esses recursos, que estão integralmente disponíveis para uso, vão financiar as obras estruturantes de construção e reforma de diques, casas de bombas, drenagem de arroios, desassoreamento de calhas fluviais, entre outras intervenções estruturantes.

O tempo de atualização dos projetos para as obras, que ainda não têm previsão de início, gerou um impasse na última semana entre integrantes dos governos estadual e federal.

“Quando o presidente Lula anunciou esses R$ 6,5 bilhões, a nossa intenção inicial no governo federal era conveniar com os municípios, porque teoricamente cada município teria capacidade de fazer a sua licitação e, portanto, nós teríamos várias obras andando ao mesmo tempo e, teoricamente, uma velocidade maior”, explicou o secretário de apoio à reconstrução do Rio Grande do Sul, Maneco Hassen.

“O governador se sentiu incomodado e pediu ao presidente para o governo do estado assumir essas obras, e o presidente Lula aceitou. Então levamos esse recurso para o governo do estado fazer, executar essas obras diretamente”, completou.

A pasta é vinculada à Casa Civil e sucedeu a secretaria extraordinária criada no ano passado, com status de ministério, que vigorou por cerca de cinco meses tendo o ex-ministro Paulo Pimenta à frente da função durante este período.

Projetos prioritários

Entre os projetos prioritários, está a construção do dique de Eldorado do Sul, cidade de 40 mil habitantes próxima à foz do Rio Jacuí e que ficou quase toda submersa por semanas durante a crise. Outra obra dessa lista é uma grande intervenção prevista na bacia do Arroio Feijó, em Alvorada e Porto Alegre.

Em balanço do plano de recuperação do estado apresentado na semana passada na capital gaúcha, o próprio governador Eduardo Leite buscou rebater essas críticas.

Segundo ele, já havia estudos técnicos sendo feitos antes das enchentes, mas a magnitude das inundações obrigaram o governo a rever os cálculos.

“É de conhecimento do governo federal, dos técnicos dos ministérios, com quem temos interagido, com as nossas equipes técnicas, que o Estado está fazendo a sua parte, buscando a atualização dos projetos que vão acessar esses recursos do fundo de combate às enchentes”, afirmou Leite.

“Nós tínhamos estudos que estavam sendo feitos já pelo governo do estado antes das enchentes acontecerem, [mas] aconteceram as enchentes. Nós submetemos esses estudos e os projetos no estágio em que estavam, especialmente em relação a Eldorado e Arroio Feijó, que estavam em fase mais adiantada, para que o comitê científico analisasse. Apuramos que eles precisam ser atualizados diante da enchente”, explicou o governador.

De acordo com Leite, os termos de referência estão sendo atualizados para a contratação dos projetos de atualização das obras.

Cobranças

Enquanto isso, prefeitos de municípios da Região Metropolitana aguardam autorização para que as obras tenham andamento rápido.

Em Porto Alegre, segundo o prefeito Sebastião Melo, há cerca de R$ 700 milhões em projetos apresentados ao governo do estado.

“Nós escrevemos vários projetos de proteção de cheias. Mas isso tá lá, nenhum foi autorizado ainda. A gente quer que seja decidido rapidamente”, cobrou.

Em Canoas, cidade que teve mais da metade de sua área urbana inundada com o rompimento de dois diques, o prefeito Airton Souza também cobra uma atualização rápida dos projetos por parte do governo estadual para que as obras saiam do papel.

“Esse valor já está aportado, inclusive rendendo juros para esse fundo. Se faz necessário que o governo não fique com o dinheiro parado, travado e faça a destinação devida para nós darmos continuidade a essas obras”, afirmou

Cruzeiro do Sul

Nas enchentes de maio de 2024, no Rio Grande do Sul, as águas do Rio Taquari subiram tanto que alcançaram cerca de 60% da área urbana do município de Cruzeiro do Sul, um dos mais devastados da região.

O impacto sobre a população de 12,3 mil habitantes, no entanto, foi total, com obstrução de vias, interrupção temporária de serviços públicos e privados, perdas econômicas e materiais incalculáveis, bem como destruição de escolas e posto de saúde. Sem falar do número de mortos na cidade, que chegou a 13.

Quando se contabiliza com as também devastadoras enchentes de setembro de 2023, o número de mortes chegou a 27, além de 11 desaparecidos.

O atual prefeito da cidade, Cesar Leandro Marmitt, conta que também foi afetado pela tragédia: teve a casa totalmente arrastada pela correnteza e precisou se mudar de bairro.

“Hoje, nós temos 1.109 casas que foram destruídas e também casas que estão interditadas e não tem possibilidade de moradia. E esse não é o número final, a contabilização, ela está acontecendo ainda, dessas moradias [perdidas]”, afirmou Marmitt.

Ele diz que o foco, no momento, é principalmente o reassentamento de centenas de famílias que perderam suas casas na enchente e não poderão mais retornar para as áreas consideradas de maior risco.

“Hoje, eu estou com dois engenheiros, um é concursado e outro contratei terceirizado. E eu não tenho recurso financeiro do meu município para contratar mais um. Uma empresa pequena contrataria três engenheiros, a prefeitura não consegue contratar”, argumenta.

“Se eu precisar de um ginásio que fosse um ponto de referência dentro de um plano de contingência, ou de um projeto para fazer um pontilhão para as pessoas passarem de um lugar a outro, ou projeto para mais uma escola ou posto de saúde, um trecho asfalto, eu não tenho como fazer”, lamenta o prefeito.

Por todo esse cenário, Marmitt não tem dúvidas em concluir que a cidade, e possivelmente boa parte da região do Vale do Taquari, não está em condições de enfrentar um cenário parecido com aquela catástrofe de 2024.

“Com todas as palavras, eu vou dizer, nós não estamos preparados para enfrentar uma nova cheia deste porte. Não estamos preparados mesmo”, disse.

O prefeito reconhece o apoio que tem recebido dos governos estadual e federal, especialmente na construção e compra de moradias, e pagamento do aluguel social, mas pede repasse maior de recursos para que os municípios consigam executar investimentos próprios, como aumento na transferência do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma cota anual de impostos federais, principalmente do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, distribuída aos municípios por critérios como população, renda per capita e outros indicadores.

Para ele, os governos federal e do estado poderiam repassar recursos até que o município consiga solucionar a questão habitacional, como “um aporte maior no FPM”.

Apoio

Em visita a Cruzeiro na semana passada, Leite, informou que cerca de 200 moradias serão entregues até o fim do ano no Novo Passo da Estrela, bairro que está sendo erguido para abrigar famílias que perderam tudo.

A área, cedida pela prefeitura, está recebendo obras de urbanização, mas as moradias definitivas ainda não estão em construção. Enquanto aguardam, as famílias vivem em contêineres provisórios no local.

Da parte do governo federal, a Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, vinculada à Casa Civil, informou, na última semana, que cerca de 50 contratos de Compra Assistida foram efetivados para moradores da cidade.

Além disso, um novo loteamento do Minha Casa, Minha Vida, com previsão de 500 moradias, será construído em Cruzeiro do Sul. Os projetos, entretanto, ainda não saíram do papel.

Recursos para a construção de creches e uma Unidade Básica de Saúde (UBS) também estão disponíveis e os projetos dependem da prefeitura.

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